terça-feira, 8 de dezembro de 2009

um pouco sobre a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)...

A Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) transforma o ordenamento jurídico brasileiro e expressa o necessário respeito aos direitos humanos das mulheres e tipifica as condutas delitivas. Além disso, essa lei modifica, significativamente, a processualística civil e penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja, a seguir, um quadro comparativo das principais alterações.

ANTES DA LEI MARIA DA PENHA
* Não existia lei específica sobre a violência doméstica

* Não tratava das relações entre pessoas do mesmo sexo.

* Nos casos de violência, aplica-se a lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos).

* Esses juizados só tratavam do crime. Para a mulher resolver o resto do caso, as questões cíveis (separação, pensão, gaurda de filhos) tinha que abrir outro processo na vara de família.

* Permite a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas.

* A autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava num termo padrão (igual para todos os casos de atendidos).

* A mulher podia desistir da denúncia na delegacia.

* Era a mulher quem, muitas vezes, entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências.

* Não era prevista decretação, pelo Juiz, de prisão preventiva, nem flagrante, do agressor (Legislação Penal).

* A mulher vítima de violência doméstica e familiar nem sempre era informada quanto ao andamento do seu processo e, muitas vezes, ia às audiências sem advogado ou defensor público.

* A violência doméstica e familiar contra a mulher não era considerada agravante de pena. (art. 61 do Código Penal).

* A pena para esse tipo de violência doméstica e familiar era de 6 meses a 1 ano.

* Não era previsto o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de Execuções Penais).

* O agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima frequentava. Tampouco era proibido de manter qualquer forma de contato com a agredida.

DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA

* Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

* Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual.

* Retira desses Juizados a competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

* Serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões.

* Proíbe a aplicação dessas penas.

* Tem um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, no que se refere às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

* A mulher só pode renunciar perante o Juiz.

* Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor.

* Possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corre.

* A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor, em todos os atos processuais.

* Esse tipo de violência passa a ser prevista, no Código Penal, como agravante de pena.

* A pena mínima é reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.

* Permite ao Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

* O Juiz pode fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas.

Fonte: Observatório para Implementação da Lei Maria da Penha - NEIM/UFBA

Declaração Universal dos Direitos Humanos -Versão Popular- Frei Betto

Todos nascemos livres e somos iguais em dignidade e direitos.

Todos temos direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal e social.

Todos temos direito de resguardar a casa, a família e a honra.

Todos temos direito ao trabalho digno e bem remunerado.

Todos temos direito a descanso, lazer e férias.

Todos temos direito à saúde e à assistência médica e hospitalar.

Todos temos direito à instrução, à arte e à cultura.

Todos temos direito ao amparo social na infância e na velhice.

Todos temos direito à organização popular, sindical e política.

Todos temos direito de eleger e ser eleitos para as funções de governo.

Todos temos direito à informação verdadeira e correta.

Todos temos direito de ir e vir, mudar de cidade, de estado ou país.

Todos temos direito de não sofrer nenhum tipo de discriminação.

Todos somos iguais perante a lei.

Ninguém pode ser arbitrariamente preso ou privado do direito de defesa.

Toda pessoa é inocente até que a justiça, baseada na lei, prove o contrário.

Todos temos a liberdade de pensar, de nos manifestar, de nos reunir e de crer.

Todos temos o direito ao amor e aos frutos do amor.

Todos temos o dever de respeitar e proteger os direitos da comunidade.

Todos temos o dever de lutar pela conquista e ampliação desses direitos.



* Frei Betto é escritor, autor de "Uala, o Amor" (FTD), entre outros livros

http://alainet.org/active/2855〈=es

sábado, 14 de novembro de 2009

E esse tal Laissez Faire...

Vinha por esses dias pensando nesse negócio do Laissez faire... o Laissez faire é é parte da expressão em língua francesa "laissez faire, laissez aller, laissez passer", que significa literalmente "deixai fazer, deixai ir, deixar passar". Esta frase é legendariamente atribuída ao comerciante Legendre.

Cá entre nós, existe expressão mais plural que afirmar "deixai fazer, dexai ir, deixai passar", nos passa um monte de fatos/feitos onde o mundo tende a andar por si mesmo. *tal frase cabe à decada de 30, onde aqui no Brasil não havia Política Social, e a população vivia ao Deus dará no melhor sentido e no maior descaso possível.

* cabe também à ausencia de política habitacional, onde a população, sem meios de adquirir residências, passou a ocupar áreas de formas ilegais, fazendo o que hoje corresponde a 40% da população residente no Brasil: os assentamentos populares (favelas).

* pode ser usada em relação à forma como nossos governantes agem devido ao arranjo neoliberal: o mundo anda por si mesmo! e haja greve: Sistemas de saúde, polícia, empresa de Correios, magistrados... e viva a esculhambação e as péssimas condições de trabalho.

E o Senado? e as pizzas? quer mais lassefaireano que isso???

Ah, será que quem primeiro pensou nessa afirmação teve uma visão futurística do Brasil ou foi o Brasil que levou a cabo essa afirmação??

sábado, 12 de setembro de 2009

LUTAS SOCIAIS e a QUESTÃO DA HABITAÇÃO

As lutas sociais, durante o período da ditadura militar (1964-1985), além de amordaçadas foram foco permanente da repressão política. O movimento de luta organizado pela população, ou por fração dessa população, era percebido, até metade dos anos setenta, pelo grupo que controlava o poder político no Brasil, como luta de contestação ao regime vigente, significa entender, uma luta para subverter a ordem instituída.

A “distensão política”, seguido da chamada “abertura política”, a partir de meados da década de setenta, resulta de forte pressão popular, da mudança de interesse do poder estabelecido, fatores que concorrem para o retorno, pela população, de formas organizativas interrompidas com a instituição do regime de repressão. As forças populares reestruturam-se e se fortalecem criando novo processo de lutas reivindicatórias (JACOBI, 1989; GONH, 1995, 1991; SADER, 1988).

Os conflitos existentes entre população e o Estado são canalizados por intermédio de movimentos sociais urbanos. Gohn (2008, p. 49) afirma que “[...] os movimentos sociais surgem dessas relações de conflito. Fazem parte da luta por reconhecimento [...]”, dessa perspectiva as tensões presente nesses conflitos operam como elementos que alimentam os movimentos sociais. Assim, revitalizam e reafirmam a importância das reivindicações.

Jacobi (1979) ao examinar os movimentos sociais, nesse período, coloca-os como agentes em relação num movimento constante entre o Estado e a sociedade civil, dotados de capacidade de promover mudanças, redefinir acesso aos direitos sociais e de exercerem a cidadania. Correspondem, nessa perspectiva, a manifestações da população direcionada para o atendimento as suas necessidades básicas.

Essas lutas sociais emergem, no país e no Recife, no período de abertura democrática, apontando para a reorganização e avanço do movimento popular, marcado por intensos processos de invasões de terras urbanas, reivindicações e demandas dirigidas ao Estado na busca do direito à cidade e à habitação. Essas lutas se ramificavam retomando processos organizativos antecedentes.

Caracteriza-se essa retomada por uma participação popular expressiva, um forte engajamento de organizações de bairro e de conselhos de moradores, reestruturando-se as formas participativas na composição de um novo desenho. Seus efeitos aparecem na base da organização e do apoio às invasões urbanas realizadas dos finais da década de 1970, que se estenderam, expressivamente, até 1990, reduzindo a intensidade a partir de então. As invasões denunciam a problemática habitacional existente nesse espaço. O Estado emergia como interlocutor primordial visto pela população com o responsável para absorver as demandas e encaminhar solução para a questão habitacional.

Moura (1990), em estudo sobre as invasões urbanas no Recife, destaca o papel dos canais de participação da sociedade que, a partir de 1979, que foram restituindo-se, anotando para aquele momento, a criação do maior número de associações de moradores, em relação aos vinte e cinco anos antecedentes. De acordo com estudos da ETAPAS (1989, p. 51), entre 1979 a 1985, foram criadas 80% das associações de bairro do Recife. Adiciona Moura (op. cit., p. 88) que “A criação destes canais participativos deu lugar à crescente politização dos conflitos de propriedade da RMR à medida que os moradores se organizavam para reivindicar infra-estrutura para áreas, há anos ocupadas, ou a permanência na área recentemente invadida”.

A expansão das áreas pobres do Recife, entre 1975 e 1990, segundo dados do documento Assentamentos Populares do Recife, quase duplicou nesse período. Em 1975, os assentamentos populares em áreas de morro representavam 60,6%, enquanto os 39,4% restantes localizavam-se na planície. Pesquisa realizada pela Arquidiocese de Olinda e Recife, na Região Metropolitana do Recife-RMR, em 1977, com o objetivo de identificar as ocupações de terra e as famílias habitantes dessas áreas, mostra que 58 mil famílias, reunindo um universo de 300 mil pessoas viviam em terras ocupadas/invadidas em constante ameaça de expulsão (ASSENTAMENTOS POPULARES DO RECIFE, Recife, 1990).

Dados da pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco-FUNDAJ, no mesmo espaço territorial, aponta que em cinco anos – 1978/1983 –, ocorreram na Região Metropolitana do Recife-RMR, mais de 80 invasões de terra, envolvendo cerca de 150.000 pessoas. Essa realidade mostra o quadro de instabilidade da população pobre no acesso à terra e a garantia da permanência no local instalado e, demonstra a intensidade da questão habitacional na cidade.

Diferentes fatores explicam a criação de associações de bairros, conselho de moradores. De um lado, o governo municipal no período 1979-1982 estimulava a criação de associações de moradores para sustentar a sua administração e projetos. A partir dos anos oitenta, requeria-se do poder público o reconhecimento das formas organizadas da sociedade, da mobilização dos movimentos populares e da inclusão de práticas de participação. A adoção dessa prática pelo governo demonstra a incorporação, e, ao mesmo tempo, possibilitam, por parte do governo de adoção de formas de cooptação na busca de legitimação. De outra lado, a Igreja Católica tinha, por intermédio da pessoa carismática de Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, o desenvolvimento de ações nas áreas populares do Recife sobre direitos, incluindo o direito à terra, à habitação, à educação contribuindo para a organização popular (DE LA MORA, 1987, p. 260). A Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife – braço político da Igreja – prestava assessoria jurídica as organizações populares e aos processos de ocupação de terá urbana.

Merece destaque o processo organizativo anterior sufocado pelo regime ditatorial. Dessa perspectiva, não eram criadas apenas novas associações, conselhos, entidades, mas antigas forças que se refaziam progressivamente, como o Movimento “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela, a luta de Brasília Teimosa, Mustardinha/Mangueira, a do Coque e dos Coelhos. Registre-se ainda o surgimento de associações e conselhos desvinculados tanto da Igreja como do poder público, ou do apoio de partidos políticos. Pontua De La Mora (1987) cresce a presença de entidades associativas organizadas por bairros, por áreas, por setores da cidade, formando federações que passam a se articular na esfera nacional.

A pressão popular dirigida ao poder público firmava-se na busca de avanço com suas reivindicações, direcionadas ao governo, e manifestava-se também através de ocupações de terras urbanas realizadas coletivamente. A possibilidade de realização de eleição direta, no início dos anos 1980, para o país, enfraquece o caráter repressor do Estado, sendo incluída negociação como alternativa de resolver os conflitos de terras urbanas, no Recife. Nesse cenário, elevava-se o poder de pressão e de barganha da população.

O acirramento das disputas por terras de habitação ganha vigor quando os espaços físicos disponíveis ficam escassos. Nesse ambiente, transparece interesses que envolvem classes sociais distintas. Entra em disputa o direito de moradia dos segmentos populares nas áreas de baixo ou sem nenhum valor econômico e o direito de propriedade, instituído segundo as normas em vigor, que definem as transações nas áreas valorizadas.

O processo de invasão de terras urbanas resulta da forte desigualdade social no acesso à terra de habitação no Recife e torna-se evidente na expansão das favelas e das aglomerações de moradias precárias e provisórias. Esse movimento traduz-se em avanços, retrocessos, recuo e resistências. Um agir expressivo da complexa vulnerabilidade dos segmentos populares envolvidos no acesso à moradia, e no direito à cidade.

LUTAS SOCIAIS NO RECIFE

Os movimentos sociais surgem da dinâmica contraditória do modo de produção capitalista com a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora (FONTES, 1986). A precária condição de moradia presente no acesso restrito à terra, à habitação e a infra-estrutura instiga os segmentos sociais a adotares processo sistemático de reivindicação por melhores condições de moradia.
A luta da população residente em assentamentos populares emerge de modo intenso, essas lutas populares direcionavam-se para o acesso ao solo urbano para habitação, apareciam nas lutas contra o pagamento do aluguel do chão, intensificavam-se nas lutas pela posse da terra, elementos que constituem importantes aspectos para a compreensão da questão habitacional.
Verifica-se mudança da estrutura política da sociedade a partir da segunda metade da década de 1970, alterando as lutas isoladas dos segmentos populares (por água, luz, transportes, creches). Lutas que eram dirigidas ao Estado, visto como opositor. Essas lutas avançam para movimentos mais gerais, direcionando-se para a consolidação do regime democrático e a busca de novos caminhos para a participação política, e o exercício da cidadania (FONTES, 1999; GOHN, 1991; MOURA, 1990).

As invasões geravam conflitos entre os ocupantes e os proprietários das terras, tanto terras privadas como aquelas pertencentes ao poder público. Eram os donos de terras buscando a desocupação do local e os ocupantes lutando e resistindo para se fixarem no território da cidade. Os conflitos presentes na relação sociedade e Estado concorrerem para instigar processos de organização popular voltados para a reivindicação do acesso à moradia e para a permanência na cidade. Conflitos e lutas propiciaram a organização da população estruturada de diversas formas, como: associações e conselhos de moradores, grupo de jovens, de grupos religiosos, clubes de mães, entre outros.
O Estado, em resposta as reivindicações e pressão da população, implementa obras de infra-estrutura nas áreas. Bonduki (2001) analisa a ação pública como uma redefinição do problema habitacional passando a ser tratada como uma questão social. A ação do Estado favoreceu na intervenção junto à sociedade para realizar melhorias de infra-estrutura - serviços de melhoramento de ruas, abastecimento de água -, em direção a melhoria das condições de vida dos residentes em assentamentos populares. Observa-se que o financiamento dessas ações – no âmbito municipal e na esfera do estado de Pernambuco – originava-se de recursos advindos de diferentes fontes, como a união, o estado e de fontes externas.
As ações desencadeadas pelo poder público sinalizam para a expressiva importância das lutas populares, no sentido de pressionar o Estado frente as suas reivindicações. Dessa forma, as reivindicações ganham visibilidade, e, o estado é impelido a adotar soluções alternativas para responder aos segmentos sociais, indicativo das relações que se estabelece entre poder público e sociedade no período em estudo.

CONCLUSÕES
Ganham visibilidade, no tempo da pesquisa, as lutas empreendidas pelos moradores de Brasília Teimosa, demarcada com a elaboração do Projeto Teimosinho que reúne as demandas da população local; as reivindicações por água, luz e transporte dos moradores do Ibura; a resistência dos moradores do Coque e de Casa Amarela ante as ameaças de expulsão, no último caso pelo encerramento do pagamento do aluguel do chão.
Destaca-se no processo de organização popular a importância e o papel exercido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife – braço político da Igreja Católica – na assessoria aos movimentos populares de bairros, auxiliando no campo jurídico, reunindo lideranças e traçando caminhos para viabilizar as reivindicações e possíveis respostas por parte da esfera pública. Torna-se relevante assinalar que foram as pressões populares que viabilizaram os instrumentos de participação popular, tão relevantes para a consolidação do regime democrático.
Nota-se a fundamental importância das ocupações urbanas e a resistência dos assentados no território, marcando forte presença no reconhecimento e consolidação das áreas pobres como pode se destacado pela instituição das Zonas Especiais de Interesse Social-ZEIS, em 1983. Trata-se de um importante instrumento de iniciativa popular que foi fruto da lutas sociais pela garantia do acesso ao solo urbano, e que antecede a Constituição Federal de 1988 e está inscrito no Estatuto da Cidade, 2001.
Os jornais pesquisados evidenciam a reduzida divulgação da luta social por moradia, observando a ausência de informações acerca das reivindicações populares, sobretudo na segunda metade da década de setenta, período de forte repressão da ditadura militar que limitava a circulação de informações e estabelecia a censura. Na década seguinte, as notícias passam a ser publicadas possibilitando a visibilidade dos movimentos sociais urbano e as lutas para assegurar condições de habitação e indicando a resistência da população para permanecer por meio de intensos processos de ocupações urbanas no Recife e no país.
Pode-se inferir que houve respostas aos apelos da sociedade parcialmente. Num primeiro momento ocorreu de forma coercitiva, para conter a população e evitar possíveis conflitos. O planejamento urbano, nesta fase era voltado às áreas nobres e praticamente inexistente nas demais áreas do Recife, sobretudo nas áreas de assentamentos populares, espaço que demandava uma série de equipamentos coletivos.
Num segundo momento, a partir da redemocratização do país, torna-se notória as respostas às demandas populares, surgindo que de fato tiveram relevância no que diz respeito as lutas sociais urbanas, esboçando leis que perduram assegurando a posse de terra e estratégias que viabilizaram a construção de equipamentos urbanos necessários à moradia.
REFERÊNCIAS
BONDUKI, Nabil Georges. Origens da Habitação Social no Brasil. Arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade: FAPESP, 1998. 3ª edição. Janeiro 2002.
FONTES. Breno Augusto Souto Maior. Políticas de planejamento urbano e segregação espacial: o município do Recife na década 1970-80. Dissertação. Universidade Federal de Pernambuco. Programa Integrado de Mestrado em Economia e Sociologia – PIMES. Recife: 1986.
_________. Redes de Movimentos Sociais: um estudo dos movimentos de bairro da Zona Norte do Recife. In: Movimentos Sociais: motivação, representação e produção de sentido/ FONTES, Breno Augusto Souto Maior (org.). Recife: Editora Universitária UFPE, 1999.
GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Luta pela moradia. São Paulo: Loyola, 1991.
MOURA, Alexandra Sobreira de. Terra do mangue: invasões urbanas do Recife. Recife: Massangana, 1990.
LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Preconceito? Estou fora. Estou mesmo?

Texto de Jaime Pinski.

Uma forma bem brasileira de demonstrar preconceito são as piadinhas. Nelas, os portugueses (e as loiras) são sempre burros, os italianos barulhentos, os argentinos arrogantes, os judeus argentários, os “turcos” comerciantes ladinos e por aí afora. Nada contra piadas, desde que elas não sirvam como veículo de reprodução e reforço de estereótipos. E estereótipos são responsáveis por frases estúpidas, como “loira, porém inteligente”, ou “argentino, porém modesto”. O “porém” deixa claro que aquele indivíduo é a exceção que confi rma a regra.

A função social do preconceito é colocar o objeto dele em posição de inferioridade. Quando berramos no trânsito que “dona Maria deveria pilotar fogão”, não um carro, queremos dizer que todas as mulheres dirigem mal. O corolário é óbvio: “Como não sou mulher, obviamente eu dirijo bem, e, portanto, sou superior a todas as mulheres”. Raciocínios desse tipo é que levaram uma nação culta e civilizada a supor que qualquer “ariano” era superior a Einstein, por este ser judeu, de raça inferior, consequentemente.

Os relativistas que me desculpem, mas o preconceito ganha terreno quando falamos da suposta inferioridade da mulher com relação ao homem, do velho com relação ao jovem, do negro com relação ao branco. Se a mulher tem menos força que o homem, possui, por outro lado, mais resistência e vive mais. Se o jovem tem a pele mais lisa e mais vigor, perde em experiência e tolerância. Cor de pele é melanina, não raça, uma vez que os humanos, sem exceção, fazem parte de uma só raça.
Além disso, do ponto de vista intelectual, não há nenhuma diferença provada entre baixos e altos, escuros e claros, homens e mulheres, garotões e maduros, homossexuais e heterossexuais, norte e sul-americanos, europeus e africanos. Por mais que grupos e estados racistas tenham tentado provar essa tese.

No entanto, estamos sempre discriminando (a discriminação é o preconceito em ação): discriminamos os “sem-carro” ao não respeitarmos faixas de pedestres; discriminamos cadeirantes ao não construirmos rampas entre as ruas e as calçadas; discriminamos ambos quando o ônibus não encosta no meio-fi o para facilitar a subida do passageiro; discriminamos pobres ao não fornecer ensino público universal de qualidade. Como a discriminação (atitude) decorre do preconceito (pensamento), é evidente que somos preconceituosos.

Pesquisa recentemente feita no Brasil dá conta de que mais de 90% das pessoas consultadas acham que existe preconceito; por outro lado, praticamente nenhum dos consultados se considera preconceituoso. Preconceito, portanto, é o dos outros, o que nós temos é opinião formada sobre os assuntos.

Nada como buscar a opinião de “minorias” para nos darmos conta do preconceito nosso de cada dia. Gostaria de sugerir a leitura de alguns livros que organizei, para o aprofundamento do tema: em 12 faces do preconceito, há interessantes olhares, como o de Jean- Claude Bernardet sobre os homossexuais, ou o do dr. Luiz Eugênio Garcia Leme sobre os idosos. Em Brasileiro é assim mesmo: cidadania e preconceito (esgotado), a procuradora Luiza Nagib Eluf e eu apresentamos um olhar cotidiano sobre o tema. Faces do fanatismo, que fiz junto com a historiadora Carla Bassanezi Pinsky, mostra situações-limites geradas pelo preconceito. E A invenção das raças, do geneticista italiano Guido Barbujani, pulveriza, cientifi camente, o ranço racista que subsiste em certos círculos. Boa leitura! ©

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Um pouco sobre a profissão que escolhi...


O Serviço Social é construído ( e em construção) na sociedade. Logo, o contexto ao qual se insere a sociedade tem uma relevância no exercício profissional.
A profissão inicialmente fora relacionada a práticas de caridade das damas da sociedade pertencentes à igreja e até hoje muitos tem visto a profissão como um trabalho assistencialista, tal como os que foram realizados no século XVIII no período da Revolução Industrial.

No Barasil a profissão se gesta e se desenvolve nos anos 30, com o processo de desenvolvimento brasileiro e o crescimento das cidades que passaram a "inchar" e não comportar tanta gente. Daí as desigualdades foram acentuando-se e foi necessário criar algo que respondesse às questões sociais latentes: foi o papel do Assistente Social que, por meio de técnicas franco-belgas da 1ª escola existente no país que passou-se a obter meios de entender e enfrentar as desigualdades.

No período que foi sucedendo-se, o Serviço Social foi modificando suas atitudes diante dos fatos, tal como a sociedade passava pelas modificações. Nos anos sessenta a prática profissional foi desenvolvendo-se sob as rédeas da organização estatal que, com o golpe de 64 e a implantação do regime ditatorial passou a rehular a sociedade em todos os segmentos.

Tolhida do direito de expressão, a sociedade brasileira passou por momentos difíceis, embora muitos dos que vivenciaram o período tenham apenas a falaciosa idéia de que o país crescera com o governo nas mãos dos militares, pois a inflação diminuíra, não havia a mendicância nas ruas, tinha-se educação ( ainda que básica e sucateada), saúde (o essencial), políticas habitacionais (criação do BNH) para a população.

Nas políticas sociais desenvolvidas na ditadura percebe-se que servia apenas para controle da classe subalterna com medidas profiláticas na área da saúde, fica evidente a preocupação em conter os ânimos e assegurar os mínimos sob a ótica da benesse, não se preocupando com o desenvolvimento dos indivíduos na comunidade e sim com os riscos que corriam em não dispor de benefpicios para acalmá-los.Com a criação da LBA (Legião Brasileira de Assistência) e suas formas de enquadramento da população e o BNH com o intuito de financiar as moradias para a população (as casas populares e os conjuntos habitacionais) com ajuda do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) dos trabalhadores, saliente-se que essas políticas foram pautadas para os que tinham emprego, logo os desempregados não tinham como adquirir residências, restando-lhes ocupar áreas improdutivas.

O exercício profissional frente às políticas era um discurso "afinado" com o estado, pois a profissão servia para "enquadrar" os cidadãos aos interesses do Estado, determinando o modelo de pensar/ agir da profissão que tão sintonizado com a lógica das classes dominantes, pouco avança nos desafios da sociedade, o que só acontecerá mais adiante com o início da crítica pelos pensadores da profissão que começa por meio das reniões e congressos (como o documento de Araxá) onde a profissão volta-se para as necessidades da sociedade e as expressões das desigualdades que vão sendo aumentadas no processo de redemocratização e o período da economia fragilizada no país. A profissão avança para a compreensão da categoria Questão Social e rompe com os paradigmas ortodoxos tomando uma nova postura frente a essas demandas, porém o maior avanço veio em 1993 com a instituição do Código de ética profissional e a consolidação de uma ruptura com o passado da profissão.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Questão Racial

“Poucas décadas depois da invasão, já se havia formado no Brasil uma protocélula étnica neobrasileira diferenciada tanto da portuguesa como das indígenas. Essa etnia embrionária, multiplicada e difundida em vários núcleos – primeiro ao longo da costa atlântica, depois transladando-se para os Sertões interiores ou subindo pelos afluentes dos grandes rios - , é que iria modelar a vida social e cultural das ilhas-Brasil. Cada uma delas singularizada pelo ajustamento às condições locais, tanto ecológicas quanto de tipos de produção, mas permanecendo sempre como um renovo genésico da mesma matriz”. Darcy Ribeiro
Historicamente, a questão racial no Brasil na qual os negros vivenciam suas fases de exclusão teve suas origens no período escravista, baseado na produção/ reprodução social, fundamentada na relação entre senhores (classe dominante) e escravos (classe dominada produtora). Segundo Lopes, “A relação dialética e tensa entre essas duas classes sociais estruturou a racionalidade do modo de produção escravista no Brasil, a qual estava assentada sobre dois pilares: exploração/opressão e sobrevivência/resistência”. Nessa perspectiva, o negro é tido como elemento escravizado é coisificado e inserido na relação de compra e venda como mercadoria, o que pode ser observado através das relações comerciais que envolviam escravos, tais como: tráfico negreiro, aluguéis, herança, comércio interno ou nas vendas privadas do senhor. No processo de coisificação, apenas a sua subjetividade lhe pertencia e ela se manifestava através das fugas, das rebeliões, da resistência à sua condição de oprimido e ao trabalho compulsório, onde os escravizados se apresentavam como sujeitos de luta, contestadores da ordem vigente. Essas lutas tiveram grande importância, pois foram paulatinamente conquistando espaços políticos na sociedade, não por vias diplomáticas, dada a sólida estrutura de subordinação do negro, mas pela força e pela resistência.
O conceito de raça é usado pelo Movimento Negro e por alguns estudiosos da área, como “um grupo social fenotipicamente semelhante que tem uma identidade coletiva, política, social e cultural historicamente construída. Os fenótipos são mantidos dada a sua importância na identificação das desigualdades raciais que permeiam as relações sociais brasileiras”.
É contraditório acreditar que há uma democracia racial no Brasil, uma vez que não existe democracia real, onde a mesma está submetida aos limites burgueses.O que na verdade existe, ainda que “camuflada” por uma ótica hipócrita da sociedade, é uma exclusão simbólica, manifestada muitas vezes pelo discurso do outro, disseminando o preconceito por meio da linguagem, na qual estão contidos termos pejorativos que, em geral, desvalorizam a imagem do negro.
“ ... Quando eu te encarei frente a frente / Não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto/ O que vi de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio/O que não é espelho...”
(Caetano Veloso in: Sampa, 1978.)
O preconceito racial surge a partir do momento em que o homem, ao deparar-se com o outro, o diferente, a alteridade, desconhece qualquer identificação, assim como ocorreu no mito, o qual Narciso, ao ver-se através da imagem refletida no rio, apaixonou-se de forma tão intensa, que mergulhou profundamente que resultou em sua própria morte. Assim como o personagem Narciso, muitas pessoas são levadas a apaixonarem-se pelo que lhes é característico de tal maneira, que ao nos deparar com o outro, procuram o que lhes parecem familiar e quando não o encontram, acham que se trata de mau gosto, mau gosto, discriminando, repudiando e até odiando o diferente.
Segundo Menezes, “A imposição da presença do outro é vivida como a negação dessa aparente ordem. A palavra ordem está vinculada ao desejo de manter a estabilidade, o estágio de constância que é determinado pela manutenção do mesmo esquema social”. Dessa forma, ter atitudes preconceituosas com as demais pessoas é negar o direito à vida que todos os cidadãos gozam, é tentar manter uma ordem pré-estabelecida que aumente a sensação de conforto retirando a liberdade étnica que cada um deve buscar de acordo com suas origens, prevalecendo a ordem do individualismo, o padrão que desprestigia, estranha e não reconhece o outro como um ser digno de ter ousadia e criatividade.
Em uma civilização onde impere o preconceito, existe a impossibilidade de uma relação de diálogo, pois ela não percebe essas diferenças como transitórias e remediáveis pela ação do tempo, ou modificáveis pelo contato cultural. Há uma cristalização de pensamentos em idéias esterotipadas, o que pode deflagrar um mal-estar diante do outro, demarcando uma distancia de reconhecimento e prestígio entre sociedades distintas. “O afeto que se liga ao preconceito é uma fé irracional”, ou seja, com poucas possibilidades de modificação, o que difere do juízo provisório, pois este último é passível de mudança ou reformulação após um conhecimento acerca do exposto, enquanto que para o preconceito, permanecem inalterados, mesmo quando é verificado uma incoerência ou comprovações contrárias.
Segundo o sociólogo Berger, “A dignidade humana é uma questão de permissão social”. È a partir do momento em que o indivíduo passa a ter sua dignidade estabelecida em conformidade com a sociedade a qual participa, que ele torna-se um ser social, o que torna-se inviável com a negação da alteridade através de reações de estranhamentos causadas pelo preconceito racial, comprometendo, dessa forma a inclusão social do indivíduo. Acresce-se a isso a idealização pelo mundo do “branqueamento”: a idealização que por vezes é feita ao mundo europeu, desvalorizando o mundo negro: o branco é o bonito e certo enquanto o negro é o sujo e o errado. Dessa forma, os negros se vêem descartados dos principais centros de decisão política e econômica, sofrendo desvantagens no processo competitivo e em sua mobilização social e individual. Nesse momento, o preconceito cumpre seu papel, mobilizando nas suas vítimas sentimentos de fracasso e impotência, impedindo-as de desenvolver auto-confiança e auto-estima.


Referências bibliográficas:
LOPES, Robélia do Nascimento. Quesito Raça e Cor: um olhar para as particularidades raciais na saúde da Cidade do Recife. TCC. Universidade Federal de Pernambuco. Recife: O autor. 2007.
MENEZES, Waléria. O Preconceito racial e suas repercussões na instituição escola. In: Cadernos de Estudos Sociais - Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Instituto de Pesquisas Sociais Vol. 19, n. 1, jan./jun., 2003.
RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Cia. Das Letras, São Paulo 2004. 2ª edição.