quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Questão Racial

“Poucas décadas depois da invasão, já se havia formado no Brasil uma protocélula étnica neobrasileira diferenciada tanto da portuguesa como das indígenas. Essa etnia embrionária, multiplicada e difundida em vários núcleos – primeiro ao longo da costa atlântica, depois transladando-se para os Sertões interiores ou subindo pelos afluentes dos grandes rios - , é que iria modelar a vida social e cultural das ilhas-Brasil. Cada uma delas singularizada pelo ajustamento às condições locais, tanto ecológicas quanto de tipos de produção, mas permanecendo sempre como um renovo genésico da mesma matriz”. Darcy Ribeiro
Historicamente, a questão racial no Brasil na qual os negros vivenciam suas fases de exclusão teve suas origens no período escravista, baseado na produção/ reprodução social, fundamentada na relação entre senhores (classe dominante) e escravos (classe dominada produtora). Segundo Lopes, “A relação dialética e tensa entre essas duas classes sociais estruturou a racionalidade do modo de produção escravista no Brasil, a qual estava assentada sobre dois pilares: exploração/opressão e sobrevivência/resistência”. Nessa perspectiva, o negro é tido como elemento escravizado é coisificado e inserido na relação de compra e venda como mercadoria, o que pode ser observado através das relações comerciais que envolviam escravos, tais como: tráfico negreiro, aluguéis, herança, comércio interno ou nas vendas privadas do senhor. No processo de coisificação, apenas a sua subjetividade lhe pertencia e ela se manifestava através das fugas, das rebeliões, da resistência à sua condição de oprimido e ao trabalho compulsório, onde os escravizados se apresentavam como sujeitos de luta, contestadores da ordem vigente. Essas lutas tiveram grande importância, pois foram paulatinamente conquistando espaços políticos na sociedade, não por vias diplomáticas, dada a sólida estrutura de subordinação do negro, mas pela força e pela resistência.
O conceito de raça é usado pelo Movimento Negro e por alguns estudiosos da área, como “um grupo social fenotipicamente semelhante que tem uma identidade coletiva, política, social e cultural historicamente construída. Os fenótipos são mantidos dada a sua importância na identificação das desigualdades raciais que permeiam as relações sociais brasileiras”.
É contraditório acreditar que há uma democracia racial no Brasil, uma vez que não existe democracia real, onde a mesma está submetida aos limites burgueses.O que na verdade existe, ainda que “camuflada” por uma ótica hipócrita da sociedade, é uma exclusão simbólica, manifestada muitas vezes pelo discurso do outro, disseminando o preconceito por meio da linguagem, na qual estão contidos termos pejorativos que, em geral, desvalorizam a imagem do negro.
“ ... Quando eu te encarei frente a frente / Não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto/ O que vi de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio/O que não é espelho...”
(Caetano Veloso in: Sampa, 1978.)
O preconceito racial surge a partir do momento em que o homem, ao deparar-se com o outro, o diferente, a alteridade, desconhece qualquer identificação, assim como ocorreu no mito, o qual Narciso, ao ver-se através da imagem refletida no rio, apaixonou-se de forma tão intensa, que mergulhou profundamente que resultou em sua própria morte. Assim como o personagem Narciso, muitas pessoas são levadas a apaixonarem-se pelo que lhes é característico de tal maneira, que ao nos deparar com o outro, procuram o que lhes parecem familiar e quando não o encontram, acham que se trata de mau gosto, mau gosto, discriminando, repudiando e até odiando o diferente.
Segundo Menezes, “A imposição da presença do outro é vivida como a negação dessa aparente ordem. A palavra ordem está vinculada ao desejo de manter a estabilidade, o estágio de constância que é determinado pela manutenção do mesmo esquema social”. Dessa forma, ter atitudes preconceituosas com as demais pessoas é negar o direito à vida que todos os cidadãos gozam, é tentar manter uma ordem pré-estabelecida que aumente a sensação de conforto retirando a liberdade étnica que cada um deve buscar de acordo com suas origens, prevalecendo a ordem do individualismo, o padrão que desprestigia, estranha e não reconhece o outro como um ser digno de ter ousadia e criatividade.
Em uma civilização onde impere o preconceito, existe a impossibilidade de uma relação de diálogo, pois ela não percebe essas diferenças como transitórias e remediáveis pela ação do tempo, ou modificáveis pelo contato cultural. Há uma cristalização de pensamentos em idéias esterotipadas, o que pode deflagrar um mal-estar diante do outro, demarcando uma distancia de reconhecimento e prestígio entre sociedades distintas. “O afeto que se liga ao preconceito é uma fé irracional”, ou seja, com poucas possibilidades de modificação, o que difere do juízo provisório, pois este último é passível de mudança ou reformulação após um conhecimento acerca do exposto, enquanto que para o preconceito, permanecem inalterados, mesmo quando é verificado uma incoerência ou comprovações contrárias.
Segundo o sociólogo Berger, “A dignidade humana é uma questão de permissão social”. È a partir do momento em que o indivíduo passa a ter sua dignidade estabelecida em conformidade com a sociedade a qual participa, que ele torna-se um ser social, o que torna-se inviável com a negação da alteridade através de reações de estranhamentos causadas pelo preconceito racial, comprometendo, dessa forma a inclusão social do indivíduo. Acresce-se a isso a idealização pelo mundo do “branqueamento”: a idealização que por vezes é feita ao mundo europeu, desvalorizando o mundo negro: o branco é o bonito e certo enquanto o negro é o sujo e o errado. Dessa forma, os negros se vêem descartados dos principais centros de decisão política e econômica, sofrendo desvantagens no processo competitivo e em sua mobilização social e individual. Nesse momento, o preconceito cumpre seu papel, mobilizando nas suas vítimas sentimentos de fracasso e impotência, impedindo-as de desenvolver auto-confiança e auto-estima.


Referências bibliográficas:
LOPES, Robélia do Nascimento. Quesito Raça e Cor: um olhar para as particularidades raciais na saúde da Cidade do Recife. TCC. Universidade Federal de Pernambuco. Recife: O autor. 2007.
MENEZES, Waléria. O Preconceito racial e suas repercussões na instituição escola. In: Cadernos de Estudos Sociais - Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Instituto de Pesquisas Sociais Vol. 19, n. 1, jan./jun., 2003.
RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Cia. Das Letras, São Paulo 2004. 2ª edição.