terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O crime de Maus tratos

Entende-se por maus tratos as condutas físicas ou morais praticadas pelo agente expondo a perigo a vida ou a saúde da vítima seja ela menor ou maior de idade.

O crime de maus tratos encontra-se previsto no artigo 136 do Código Penal com a seguinte redação:

Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoas sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, que privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§1º. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
§2º. Se resulta morte:

Pena – reclusão de quatro a doze anos.
§3º. Aumenta-se a pena de um terço , se o crime é praticado contra pessoa menor de catorze anos.

O crime de maus tratos é um delito próprio, exigindo como pressuposto a existência de uma relação jurídica preexistente entre os sujeitos ativo e passivo. Somente poderá ser agente (sujeito ativo) quem mantiver sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia o sujeito passivo.

Desta forma podemos citar como agentes os pais, tutores, curadores, professores, carcereiros, diretores de colégios, enfermeiros dentre outros e como sujeitos passivos, ou sejam, pessoas que se encontram sob a subordinação dos citados, os filhos, tutelados, curatelados, alunos, presos etc.

Cumpre-nos salientar que para a tipificação do crime de maus tratos necessário se faz que uma ou mais condutas praticadas pelos agentes acima citados estejam previstas expressamente conforme disposição do artigo, caso contrário o delito será outro.

O referido artigo menciona a privação de alimentação ou cuidados indispensáveis, sujeição a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.

Por privação de alimentação devemos entender os indispensáveis ao subordinado e desde que a forma praticada se dê de maneira dolosa, ou seja, privar a pessoa de maneira de intencional, portanto exclue-se a ilicitude no caso em que o agente venha a praticar o ato em razão de pobreza, onde inclusive sua própria alimentação estiver prejudicada. Ressalta-se ainda que não constitui o crime a privação de “caprichos alimentares” impostos pelo subordinado.


Em relação a cuidados indispensáveis estes englobam cuidados diversos que o subordinado venha necessitar sejam eles em razão do que for. Uma criança ou um idoso, por exemplo, que necessite de medicação periódica e não a receba, um doente impedido de locomover-se e que dependa exclusivamente de pessoa que o leve ao banheiro, dentre outras.

Quanto a trabalho excessivo podemos entender trabalhos que vão além da capacidade física ou até mesmo mental da pessoa, trabalhos que desejados de forma habitual cause estresse e fadiga ao subordinado. No mesmo sentido é o trabalho inadequado que se dá em razão da forma diversa da ora estabelecida entre as partes, ou em razão de sua incompatibilidade, seja em razão do sexo, idade ou qualquer outro fator que venha a ser julgado incompatível. Em ambos os casos há de se averiguar as condições de exposição a fim de se verificar a ocorrência do referido crime.

No que tange os meios de correção ou disciplina cumpre-nos salientar que para a tipificação do crime, não basta o uso de meios de correção, pois é necessário que tenha havido abuso deles, capaz de expor a perigo a vida ou a saúde da vítima. (TACrSP, RT 587/331). Configura o delito a punição exagerada, o corretivo imoderado ou abusivo (TACrSP, julgados 66/326; julgados 68/306).

É importante lembramos que a prática de mais de uma das ilicitudes contra o mesmo ofendido constitui crime único, e este se consuma com a exposição a perigo, de que decorra probabilidade de dano real. O crime, na modalidade de “privar” pode ser permanente porém nas demais formas seu caráter é instantâneo, admitindo-se a tentativa nas modalidades comissivas.

Observa-se, que o crime de maus tratos difere da lesão corporal por ser esta delito de dano, enquanto o do artigo 136 é de perigo (RT 412/284).

Por fim temos a acrescentar que são perfeitamente lícitas as medidas corretivas aplicadas pelos pais em relação à seus filhos porém desde que aplicadas de forma moderadas, com o objetivo de educá-los, contribuindo na formação de seu caráter e personalidade. No que se refere a cuidados prestados por profissionais, sejam eles professores, enfermeiros e demais, estes estão privados de utilizar-se de meios, ainda que moderados, para “castigar” seus subordinados, sob pena de virem a responder, além das penas cominadas ao crime de maus tratos, por danos matérias e morais

Ética e Economia na sociedade capitalista

A sociedade capitalista, assim como, outros tipos de sociedades, possui um ethos, esse ethos vai determinar o modo de ser desta sociedade. Regida sob a ótica do capital, a sociedade capitalista evidencia a pobreza e a riqueza, criando uma contradição, na qual opera produzindo necessidades.
As necessidades criadas a partir da produção de mercadorias para a acumulação de riquezas, desencadeiam um processo de inversão dos valores que afetam diretamente no modo de vida social.
Segundo Barroco (2008, p. 157):

O modo de ser capitalista é fundado em uma sociabilidade regida pela mercadoria, ou seja, em uma lógica mercantil, produtora de comportamentos coisificados, expressos na valorização da posse material e espiritual, na competitividade e no individualismo; um modo de ser dirigido a atender às necessidades desencadeadas pelo mercado.

Desse modo, o indivíduo passa a ser notado pelos bens materiais que possui, o objeto passa a tomar a identidade do sujeito, a coisificação das relações humanas faz parte da estratégia do capital de se produzir, reproduzir e acumular mais riqueza. E dentro dessa lógica de acumulação a qualidade das relações humanas é substituída pela quantidade de utilidade material, ou seja, a pessoa não vale pelo que é, mas pelo que possui, ou adquire.
Como a sociedade capitalista tem sua existência na relação capital/trabalho e essa relação se dá no processo de produção, onde são produzidas as mercadorias, que gera o consumo, e que também é retirada a mais-valia, a lógica do capital reproduz indivíduos egocêntricos cujos desejos são ilimitados e para os quais a produção não cessa de criar novos desejos.
Sob esta perspectiva consumista, a economia capitalista se desenvolve transformando o consumo de objetos em uma exigência de integração social, mercantilizando a moral, criando uma sociabilidade abstraída princípios ético-morais.
Afirma Barroco (2008, p. 161):

O modo de ser capitalista se reproduz e se legitima eticamente através do sistema de normas, deveres e representações pertinentes às necessidades objetivas de (re) produção da sociabilidade mercantil; nesse sentido, precisa da ideologia dominante, enquanto conjunto de ideais e valores que buscam a coesão social favorecedora da legitimação da ordem social burguesa.

A essência da moral burguesa está em pregar obediência às leis e aos costumes e, ao mesmo tempo, violá-los sempre que for lucrativo. Esta moral é sempre conservadora, pois coloca os interesses mesquinhos e estreitos da acumulação pessoal de riquezas acima das necessidades humanas.
Para Tonet (2004) a ética é justamente o contrário da moral burguesa. O autor afirma que a ética é a expressão mais explicita das necessidades humanas e, enquanto expressões desta é importante para que os homens tomem consciência do que são, das suas reais necessidades como seres humanos.
Quando os valores humanos passam a se curvar ante a dominância econômica e a reificação ("coisificação") das relações humanas, num contexto de capitalismo, todos os fundamentos do agir social passam a se delinear de acordo com a ordem econômica. É assim que o império do capital, com seus imensos tentáculos, corrói, pouco a pouco, todo o edifício ético que procura se manter ereto na defesa dos interesses sociais que transcendem ao materialismo econômico.
Segundo Weber (2007, p. 52):

A economia capitalista moderna é um imenso cosmos no qual o individuo nasce, e que se lhe afigura, ao menos como individuo, como uma ordem de coisas inalteráveis, na qual ele tem de viver. Ela força o individuo, na medida em que ele esteja envolvido no sistema de relações de mercado, a se conforma às regras de comportamento capitalistas. O fabricante que se opuser por longo tempo a essas normas será inevitavelmente eliminado do cenário econômico, tanto quanto um trabalhador que não possa ou não queira se adaptar às regras será jogado na rua, sem emprego.


Desse modo, o capitalismo não deseja se utilizar do trabalho daqueles que praticam a doutrina do livre arbítrio.
A moral burguesa nega a liberdade como capacidade humana, pois o individuo é limitado no poder agir com liberdade, no poder escolher conscientemente entre alternativas a partir de condições objetivas para criar alternativas e escolhas.
A Ética tem como fundamento conceitos de liberdade, necessidades, valor, consciência e sociabilidade. Porém na economia capitalista a moral cumpre um papel social que “serve aos interesses sociais desvalorizados da crítica, da possibilidade de transformações de valores, conduzindo uma sociabilidade fundada na repressão dos sentimentos, desejos e capacidades humanas”.
Onde está a ganância, o poder, a hegemonia de mercado, a sede de enriquecimento fácil e rápido não está a solidariedade, a consciência cidadã, a ética da tolerância, a valorização do homem.
Nesta sociedade regida pelo capital os valores éticos tem sido freqüentemente tensionado pelos problemas sociais concretos com que se depara a população.
Segundo Kliksberg (2003) estamos vivenciando diariamente a violação dos valores que deveriam dirigir a vida pública. Questões como o trabalho, abandono e prostituição infantil, o desemprego e todos os outros elementos que expressam a desigualdade “constituem uma afronta aos valores éticos de nossa civilização”. E o que o indigna ainda mais é o fato de existirem “os falsos álibis” que atenuam ou ignoram os conflitos éticos existentes, com argumentos tais como os que procuram converter a pobreza em um problema individual, culpabilizando os pobres “por não terem feito esforços suficientes em sua vida...”