sábado, 12 de setembro de 2009

LUTAS SOCIAIS e a QUESTÃO DA HABITAÇÃO

As lutas sociais, durante o período da ditadura militar (1964-1985), além de amordaçadas foram foco permanente da repressão política. O movimento de luta organizado pela população, ou por fração dessa população, era percebido, até metade dos anos setenta, pelo grupo que controlava o poder político no Brasil, como luta de contestação ao regime vigente, significa entender, uma luta para subverter a ordem instituída.

A “distensão política”, seguido da chamada “abertura política”, a partir de meados da década de setenta, resulta de forte pressão popular, da mudança de interesse do poder estabelecido, fatores que concorrem para o retorno, pela população, de formas organizativas interrompidas com a instituição do regime de repressão. As forças populares reestruturam-se e se fortalecem criando novo processo de lutas reivindicatórias (JACOBI, 1989; GONH, 1995, 1991; SADER, 1988).

Os conflitos existentes entre população e o Estado são canalizados por intermédio de movimentos sociais urbanos. Gohn (2008, p. 49) afirma que “[...] os movimentos sociais surgem dessas relações de conflito. Fazem parte da luta por reconhecimento [...]”, dessa perspectiva as tensões presente nesses conflitos operam como elementos que alimentam os movimentos sociais. Assim, revitalizam e reafirmam a importância das reivindicações.

Jacobi (1979) ao examinar os movimentos sociais, nesse período, coloca-os como agentes em relação num movimento constante entre o Estado e a sociedade civil, dotados de capacidade de promover mudanças, redefinir acesso aos direitos sociais e de exercerem a cidadania. Correspondem, nessa perspectiva, a manifestações da população direcionada para o atendimento as suas necessidades básicas.

Essas lutas sociais emergem, no país e no Recife, no período de abertura democrática, apontando para a reorganização e avanço do movimento popular, marcado por intensos processos de invasões de terras urbanas, reivindicações e demandas dirigidas ao Estado na busca do direito à cidade e à habitação. Essas lutas se ramificavam retomando processos organizativos antecedentes.

Caracteriza-se essa retomada por uma participação popular expressiva, um forte engajamento de organizações de bairro e de conselhos de moradores, reestruturando-se as formas participativas na composição de um novo desenho. Seus efeitos aparecem na base da organização e do apoio às invasões urbanas realizadas dos finais da década de 1970, que se estenderam, expressivamente, até 1990, reduzindo a intensidade a partir de então. As invasões denunciam a problemática habitacional existente nesse espaço. O Estado emergia como interlocutor primordial visto pela população com o responsável para absorver as demandas e encaminhar solução para a questão habitacional.

Moura (1990), em estudo sobre as invasões urbanas no Recife, destaca o papel dos canais de participação da sociedade que, a partir de 1979, que foram restituindo-se, anotando para aquele momento, a criação do maior número de associações de moradores, em relação aos vinte e cinco anos antecedentes. De acordo com estudos da ETAPAS (1989, p. 51), entre 1979 a 1985, foram criadas 80% das associações de bairro do Recife. Adiciona Moura (op. cit., p. 88) que “A criação destes canais participativos deu lugar à crescente politização dos conflitos de propriedade da RMR à medida que os moradores se organizavam para reivindicar infra-estrutura para áreas, há anos ocupadas, ou a permanência na área recentemente invadida”.

A expansão das áreas pobres do Recife, entre 1975 e 1990, segundo dados do documento Assentamentos Populares do Recife, quase duplicou nesse período. Em 1975, os assentamentos populares em áreas de morro representavam 60,6%, enquanto os 39,4% restantes localizavam-se na planície. Pesquisa realizada pela Arquidiocese de Olinda e Recife, na Região Metropolitana do Recife-RMR, em 1977, com o objetivo de identificar as ocupações de terra e as famílias habitantes dessas áreas, mostra que 58 mil famílias, reunindo um universo de 300 mil pessoas viviam em terras ocupadas/invadidas em constante ameaça de expulsão (ASSENTAMENTOS POPULARES DO RECIFE, Recife, 1990).

Dados da pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco-FUNDAJ, no mesmo espaço territorial, aponta que em cinco anos – 1978/1983 –, ocorreram na Região Metropolitana do Recife-RMR, mais de 80 invasões de terra, envolvendo cerca de 150.000 pessoas. Essa realidade mostra o quadro de instabilidade da população pobre no acesso à terra e a garantia da permanência no local instalado e, demonstra a intensidade da questão habitacional na cidade.

Diferentes fatores explicam a criação de associações de bairros, conselho de moradores. De um lado, o governo municipal no período 1979-1982 estimulava a criação de associações de moradores para sustentar a sua administração e projetos. A partir dos anos oitenta, requeria-se do poder público o reconhecimento das formas organizadas da sociedade, da mobilização dos movimentos populares e da inclusão de práticas de participação. A adoção dessa prática pelo governo demonstra a incorporação, e, ao mesmo tempo, possibilitam, por parte do governo de adoção de formas de cooptação na busca de legitimação. De outra lado, a Igreja Católica tinha, por intermédio da pessoa carismática de Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, o desenvolvimento de ações nas áreas populares do Recife sobre direitos, incluindo o direito à terra, à habitação, à educação contribuindo para a organização popular (DE LA MORA, 1987, p. 260). A Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife – braço político da Igreja – prestava assessoria jurídica as organizações populares e aos processos de ocupação de terá urbana.

Merece destaque o processo organizativo anterior sufocado pelo regime ditatorial. Dessa perspectiva, não eram criadas apenas novas associações, conselhos, entidades, mas antigas forças que se refaziam progressivamente, como o Movimento “Terras de Ninguém”, em Casa Amarela, a luta de Brasília Teimosa, Mustardinha/Mangueira, a do Coque e dos Coelhos. Registre-se ainda o surgimento de associações e conselhos desvinculados tanto da Igreja como do poder público, ou do apoio de partidos políticos. Pontua De La Mora (1987) cresce a presença de entidades associativas organizadas por bairros, por áreas, por setores da cidade, formando federações que passam a se articular na esfera nacional.

A pressão popular dirigida ao poder público firmava-se na busca de avanço com suas reivindicações, direcionadas ao governo, e manifestava-se também através de ocupações de terras urbanas realizadas coletivamente. A possibilidade de realização de eleição direta, no início dos anos 1980, para o país, enfraquece o caráter repressor do Estado, sendo incluída negociação como alternativa de resolver os conflitos de terras urbanas, no Recife. Nesse cenário, elevava-se o poder de pressão e de barganha da população.

O acirramento das disputas por terras de habitação ganha vigor quando os espaços físicos disponíveis ficam escassos. Nesse ambiente, transparece interesses que envolvem classes sociais distintas. Entra em disputa o direito de moradia dos segmentos populares nas áreas de baixo ou sem nenhum valor econômico e o direito de propriedade, instituído segundo as normas em vigor, que definem as transações nas áreas valorizadas.

O processo de invasão de terras urbanas resulta da forte desigualdade social no acesso à terra de habitação no Recife e torna-se evidente na expansão das favelas e das aglomerações de moradias precárias e provisórias. Esse movimento traduz-se em avanços, retrocessos, recuo e resistências. Um agir expressivo da complexa vulnerabilidade dos segmentos populares envolvidos no acesso à moradia, e no direito à cidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário